Das várias referências a Santiago que nos aparecem no concelho de Nisa, assume particular relevância a que nos é dada a conhecer por Humberto Baquero Moreno no seu artigo “Vias Portuguesas de Peregrinação a Santiago de Compostela na Idade Média”, aludindo a um documento do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Chancelaria de D. Afonso V, livro 15, folha 45 v.), que nos relata um episódio ocorrido, entre Castelo de Vide e Nisa, envolvendo 2 peregrinos alemães que se dirigiam a Santiago de Compostela, Pedro e Jacomina que se queixaram a Álvaro Diaz, juiz da vila de Nisa, de que no caminho, quando seguiam na companhia de um irmão de Pedro, haviam sido assaltados por 3 vaqueiros que «tomaram a dieta molher e per força dormjram com ella». Entre os acusados da malfeitoria figurava o vaqueiro Gonçalo Borrinho, natural de Castelo de Vide, o qual havia sido preso em 20 de Março de 1455, sobre quem impendia ainda a queixa de que agredira violentamente o peregrino alemão. A seu respeito e em sua defesa Gonçalo Borrinho invocava que os queixosos «diserom ao dito juiz que elles deram a dieta querella com meneneorea do mall que lhe fora feicto o culparam em ella pella quall razom era preso». Por um instrumento elaborado em 22 de Março desse ano, pelo tabelião de Nisa João Fadundes «sse mostra entre as outras cousas que os dictos Pedro e Jacomina ssua molher diserom que elle nom era daquelles que lhe o dicto mall fezeram» e «que o nam deziom com medo nem por peita sobmente por desencarregar suas almas e hiam em rromaria pêra Santiago de Galiza». Apesar das declarações abonatórias dos peregrinos alemães, Gonçalo Borrinho permaneceu preso. Em virtude de recear uma detenção prolongada e por ser pobre e órfão decidiu fugir da cadeia e andava «amoorado» com temor da justiça régia. D. Afonso V por instrumento de 13 de Dezembro do ano em curso concedeu-lhe o seu perdão, com a condição de proceder à entrega de mil reais para o seu capelão João de Évora.
O mesmo artigo refere também que o interior do país encontrava-se ligado por uma importante estrada, paralela à fronteira, e que se estendia desde Viseu até Évora, ligando no seu percurso a Covilhã, Castelo Branco, Nisa, Alpalhão, Crato, Alter do Chão, Fronteira, Estremoz e Évoramonte. A localidade de Castelo de Vide, que ligava por estrada com Nisa, onde existiam três estalagens, era um ponto de chegada de mercadores e peregrinos que utilizavam a grande via que os encaminhava para Viseu e Lamego, oriundos muitas vezes da Estremadura castelhana e doutras partes mais longínquas. O sul do país, ou mais propriamente os portos algarvios, dispunham não só de acesso marítimo com o resto do país, como aliás possuíam três grandes vias que os punham em contacto com o Alentejo. Os raros peregrinos que desde o Algarve demandavam Santiago de Compostela optavam normalmente pela via marítima (…) mas atendendo a que o espírito e a predisposição do peregrino fazia andar a pé, daí que optaria seguir pela via terrestre. Junto ao Guadiana dispunha da estrada que ligava Beja a Tavira dispondo na vila algarvia de três estalagens.
Outra referência ao Apostolo surge-nos na obra “Amieira do Antigo Priorado do Crato”, de Tude Martins de Sousa, uma esmola que terá sido dada a 2 romeiros de Santiago, alusão inserta no livro de despesas da Santa Casa da Misericórdia de Amieira do Tejo. Crê-se que os romeiros que deverão ter passado o rio na Barca da Amieira. De referir também que nesta freguesia existe uma Rua de Santiago e que o orago da igreja Matriz é Santiago Maior, do qual existe uma imagem em pedra.
Em Alpalhão temos o Largo de S.Tiago, onde se localiza a igreja da Misericórdia ou do Espirito Santo que possui uma imagem do Santiago Peregrino. Diz-nos Augusto Soares de Pinho Leal, na memória transcrita do “Portugal Antigo e Moderno” de 1873, que “tem a dita Villa Misericórdia, agregada à igreja do Espirito Santo, com casa para recolhimento dos pobres e passageiros, aonde se curam alguns doentes, com Hospitaleiros que nele assiste.”, que supomos ser um edifício bastante antigo (1601), que se situa na rua da referida igreja, que conflui no dito Largo de S. Tiago.
Em Nisa temos o Canto e a Rua de S. Tiago, pela proximidade com a Porta de S. Tiago, uma das 5 portas medievais da Fortaleza da vila. Da igreja de S. Tiago, restam-nos as suas ruinas, diz-nos José Diniz da Graça Motta e Moura na “Memória Histórica da Notável Vila de Niza”, (1855), que “era a segunda paróquia da antiga vila”. No largo que lhe serviu de adro encontra-se ainda um cruzeiro com data gravada de 1638. A imagem do intrépido Padreiro de Espanha recolheu à ermida da Senhora dos Prazeres, de onde desapareceu há muito, (Monografia de Nisa, de José Francisco Figueiredo, 1956).
Se atentarmos o facto da credencial do peregrino fazer referência, entre os vários caminhos portugueses, ao itinerário que passa por Nisa, é uma prova inequívoca que a passagem de peregrinos por esta a rota já se realiza há bastante tempo.
Como nos refere o Prof. Carlos Dinis Tomás Cebola em “Nisa: A Outra História”, a Marja Fanzira, Via da Antiga Lusitânia, possivelmente Pré-histórica que, segundo Mário Sáa, em “As Grandes Vias da Lusitânia, Livro V, nota 2”, “irrompia no vau tagano de Escaroupim, Valada, desenhava-se como um longo S, que nenhum rio ou ribeiro interceptava, vinha pelos pontos mais altos da bacia do Sor…passava entre Nisa e Alpalhão, em direcção a Castelo de Vide, Aramenha e seguia para Espanha até Mérida…”, dela restam ainda alguns pequenos troços (vestígios). Mas entre nós ainda é conhecida por Vereda da Sardinheira. Terá sido provavelmente no troço desta antiga via, entre Castelo de Vide e Nisa, que terá ocorrido o episódio com os peregrinos alemães, mencionado por Humberto Baquero Moreno.